Em comentário a este post, o Pedro Telles deu um bom contributo para a discussão. Entre outros temas, suscita-se ali o ponto da possível relação entre divisão em lotes, cartelização e conluio entre participantes nos procedimentos. Este argumento é normalmente utilizado contra a divisão em lotes.

É uma questão que, claramente, está e vai continuar em debate. Como posição de princípio, direi que a argumentação que tem sido apresentada, e que o Pedro refere, não me convence. Essencialmente pelo seguinte:

(i) esse receio difuso, genericamente afirmado, não me parece muito apoiado em factos concretos e em relações causais comprovadas entre divisão em lotes e cartelização. Aliás, bem ao contrário do que pode dizer-se sobre a subrepresentação das PME nos mercados públicos e sobre o impacto do lançamento de contratos demasiado grandes nessa subrepresentação, esses sim, elementos bastante claros em termos de dados empíricos. Convém também dizer que, além do que os dados dizem (ou neste caso, não dizem), eu parto de uma confiança geral no mercado e por isso não parto da suspeita de que todos os mercados estão cartelizados ou de que haja propensão para o estarem;

(ii) deste modo, não sendo de excluir que a divisão em lotes possa trazer problemas como os acima referidos, acho que se deve preferir trocar o que, a meu ver com razoável certeza, se ganha, com esse instrumento, em maior participação das PME, pelo que, hipoteticamente, se poderia perder por funcionamento de cartéis;

(iii) aliás, se alguma coisa os dados parecem apontar, é que quanto mais pequena é a empresa, menos atreita ela é à participação em cartéis (cf. v.g. o texto de Marta Fana/Gustavo Piga, in Piga/Treumer, eds., Routledge, 2013), algo que é facilmente compreensível e quase intuitivo, e a meu ver, é um claro argumento a favor da divisão em lotes;

(iv) por fim, não desconheço que as entidades adjudicantes também devem ter preocupações com o desenho dos procedimentos de modo a fomentar a concorrência (é isso mesmo que digo no post). Isto implica e aconselha diversas cautelas, por exemplo, admitir que o receio fundado de cartelização seja um fundamento invocado pelas entidades para justificar a não divisão em lotes ao abrigo do artigo 46º da Directiva e artigo 46º-A do anteprojecto. Contudo, convém não esquecer que o controlo da existência de cartéis e o seu sancionamento está entregue em primeira linha a entidades que têm essa específica missão e os instrumentos adequados para a desempenhar (maxime, Autoridade da Concorrência).

MAR