Da análise do novo procedimento pré-contratual previsto pela Diretiva e transposto pelo Anteprojeto surgem-me várias dúvidas e questões que gostaria de aqui partilhar para reflexão:
1.Parece ser de lamentar que não se tenha a propósito da parceria para a inovação previsto uma norma remissiva, à semelhança do que se faz em diversas ocasiões no atual Código, atribuindo carácter supletivo às disposições respeitantes ao procedimento de negociação;
2.Nos termos do n.º 1 do artigo 30.º da Diretiva, a resposta dos operadores económicos a um anúncio da parceria implica a apresentação de “informações para efeitos de seleção qualitativa solicitadas pela autoridade adjudicante”. O Anteprojeto refere, contudo, que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 30.º-A, na fase de apresentação de candidaturas a respetiva selecção possa “incluir a qualificação dos concorrentes quando se trate do desenvolvimento de projetos dotados de especial complexidade”. Ou seja, o Anteprojeto coloca como optativo o que na Diretiva é injuntivo, à semelhança do que sucede com o concurso limitado e o procedimento competitivo com negociação.
Note-se, para mais, que no CCP, quer o concurso público limitado por prévia qualificação, quer o procedimento de negociação, que traduzem, respetivamente, aqueles dois procedimentos da Diretiva, têm uma fase obrigatória de qualificação (cf. artigos 163.º, 179.º, 181.º, 193.º e 194.º). Acresce que a parceria para a inovação, como notámos, foi pensada para ser tramitada de acordo com as regras do procedimento de negociação, onde a qualificação é a regra e não conhece qualquer exceção, sendo aplicado o regime do concurso público limitado por prévia qualificação por remissão expressa do artigo 193.º do CCP.
Acresce ainda que na alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º-A refere-se seleção que pode incluir qualificação, quando no Código a qualificação é que pode implicar seleção (modelo complexo, nos termos do artigo 181.º do CCP). É gerador de confusão.
Creio que devemos, à luz de uma interpretação conforme à Diretiva, interpretar a alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º-A do Anteprojeto, no sentido de que a seleção aí referida é sempre uma qualificação obrigatória , dentro dos limiares da Diretiva, podendo ou não ser por seleção, no sentido que o Código lhe atribui tecnicamente.
Embora nos pareça que, tendo em conta a expectável complexidade do objeto deste procedimento, a qualificação por seleção é efetivamente aquela que oferece maiores garantias à Administração Pública e melhor prossegue os desígnios deste tipo procedimental.
(editado: a minha dúvida não estava clara e havia, por lapso, uma referência à habilitação)
3.As fases previstas nos §2 e 3 do n.º 2 do artigo 31.º da Directiva são as mesmas que se encontram previstas no n.º 5? E, em caso negativo, está essa distinção clara no Anteprojeto? Não devia prever-se especificamente essa possibilidade no artigo 218.º-A?
4.O que dizer dos casos em que não surjam quaisquer candidatos? Pode a entidade adjudicante lançar a parceria apenas com um candidato, numa situação análoga à do ajuste direto após um procedimento concorrencial? Nos termos do §4 do n.º 1 do artigo 31.º e do n.º 2 do artigo 65.º da Diretiva esta opção não parece possível (o Anteprojeto não refere sequer esta necessidade de um mínimo de três convidados). Contudo, parece-nos que a questão não é líquida. Com efeito, i) havendo uma consulta preliminar ao mercado, essencial para determinar a existência ou não de soluções disponíveis; ii) havendo a percepção de que por razões técnicas apenas um candidato poderia desenvolver um projeto inovador; e iii) havendo um anúncio de parceria a que apenas esse candidato responde, perguntamo-nos se não será aplicável por analogia o ponto ii) da alínea b) do n.º 2 do artigo 32.º da Diretiva, podendo neste caso a entidade adjudicante, ao invés de lançar mão do ajuste direto, lançar mão da parceria para a inovação apenas com um convidado. A resposta parece-nos ser positiva, até porque sempre o poderia fazer se convidasse pelo menos três candidatos a apresentar propostas e depois escolhesse apenas um, nos termos do §3 do n.º 1 do artigo 30.º da Directiva e do n.º 2 do artigo 218.º-D;
5.O Anteprojeto prevê que, decidindo a entidade adjudicante negociar com vários candidatos então compete “neste caso, a cada um deles realizar atividades de investigação e desenvolvimento distintas”. A Diretiva vai em sentido semelhante. O §3 do n.º 1 do artigo 31.º prevê que “[a] autoridade adjudicante pode decidir estabelecer a parceria para a inovação com um só parceiro ou com vários parceiros que efetuem atividades de investigação e desenvolvimento distintas” (itálico nosso). Nas versões de outras línguas (vg. espanhola, francesa e italiana) a palavra é “separadas”. Cremos que formulação da Diretiva, na sua tradução portuguesa, e do Anteprojeto é prima facie equívoca e deve ser complementada por uma interpretação conforme aos princípios da não discriminação e da concorrência. Com efeito, a interpretação que nos parece adequada é a de que, optando a entidade adjudicante pela parceria com vários candidatos, os parceiros desenvolvem, no âmbito de contratos individuais, projetos paralelos e dirigidos à satisfação dos mesmos objetivos, permitindo assim que se gere concorrência e comparabilidade de objetivos.