Enquanto se aguarda pela ansiada publicação da revisão do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) – que se espera para breve, até porque responsáveis governamentais já afirmaram, em entrevista, que o diploma entraria em vigor em Julho de 2017 –, e porque essa publicação previsivelmente ocupará as atenções e os fóruns de debate daí em diante, parece-me oportuno, enquanto isso não acontece, fazer uma pequena reflexão lateral.
De facto, sem prejuízo dos problemas sentidos pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos no dia-a-dia e que são imputáveis ao legislador – alguns dos quais serão resolvidos pela revisão do CCP e outros não, não sendo ainda de excluir que novos problemas venham a ser criados pelo diploma que aí vem –, importa ter presente que não se pode esperar que a lei resolva tudo e que há patologias que não dependem do legislador. Refiro-me a casos em que os problemas surgem, não por causa da lei, mas apesar dela ou independentemente dela, isto é, porque as entidades adjudicantes, muitas vezes, cometem erros evitáveis na elaboração das peças do procedimento e no desenho de algumas soluções a montante, que vêm depois a redundar em litígios desnecessários a jusante.
Já no ano passado, numa aula de pós-graduação, tive o ensejo de apresentar alguns exemplos com que já me deparei, de “más práticas” na contratação pública. Esse elenco, que me parece útil partilhar agora com um público mais vasto, incluía os seguintes casos:
1) Prazo para apresentação de propostas
Matéria onde se cometem muitos erros, sobretudo pela fixação de prazos excessivamente curtos (aqui o legislador também não ajuda, nomeadamente ao permitir concursos públicos urgentes para empreitadas que podem envolver alguma complexidade. É a solução que tem vindo a ser consagrada avulsamente em sucessivos Decretos-Leis de execução orçamental e que o Anteprojecto de revisão do CCP passa a prever como regra geral. Aliás, as próprias Directivas prevêem uma redução generalizada dos prazos para apresentação das propostas).
Independentemente da legalidade na fixação desses prazos, importa ter presente que nem todos os prazos admitidos por lei são bons, isto é, o critério não deve ser principalmente o respeito pelo limite mínimo legalmente admitido, mas sim o da adequação à preparação de propostas cuidadas, como decorre do artigo 63.º/2 do CCP. Propostas feitas à pressa dão mau resultado para os concorrentes e são más para as entidades adjudicantes.
Por outro lado, estas não podem esquecer-se de que, na medida em que algumas decisões suas têm de ser tomadas em fracções desse prazo, quanto mais curto é o prazo fixado para os concorrentes, mais reduzida é também a fracção de que elas dispõem… não é só fixar um prazo de 12 dias para a apresentação de propostas, é lembrar que isso significa que só têm 4 dias para responder aos pedidos de esclarecimentos formulados pelos interessados e 2 para a resposta às listas de erros e omissões (bem sei que a alteração de 2012 ao artigo 61.º/4 do CCP veio permitir a suspensão desse prazo, mas ainda assim).
Paralelamente, se os prazos intercalares estabelecidos para os concorrentes e entidades adjudicantes durante o decurso do prazo de apresentação de propostas constituem fracções desse prazo, porque não estabelecer o prazo final de modo a que esses prazos intercalares coincidam com unidades inteiras? Dito ao contrário: porquê estabelecer um prazo de 14 dias, obrigando os concorrentes a interrogarem-se se o 1/3 do prazo – isto é, matematicamente, 4,6 dias – cai no 4.º dia (à cautela) ou no 5.º (por aplicação das regras gerais do arredondamento), ou a perguntar-se se devem converter os 14 dias em horas e dividir esse número por 3? Bastaria que a entidade adjudicante tivesse fixado um prazo em múltiplos de 3 para que estas dúvidas (esdrúxulas, mas só aparentemente simples de resolver) não se colocassem.
2) Prazo para a manutenção de propostas
O principal erro que detecto quanto a este ponto é o da previsão de prazos excessivamente curtos para cobrir toda a tramitação do procedimento, sobretudo quando há mais do que uma fase de audiência prévia.
Por outro lado, importa acautelar a hipótese de caducidade da primeira adjudicação, sendo que a adjudicação subsidiária ao concorrente cuja proposta tenha ficado ordenada em lugar subsequente depende de ainda estarmos dentro do prazo de manutenção das propostas, sob pena de este concorrente vir declarar que já não está vinculado à proposta apresentada, deixando a entidade adjudicante desamparada.
Além disso, convém ter presente a eventual necessidade de cumprimento de formalidades pós-adjudicatórias cujos prazos não estão na disponibilidade da entidade adjudicante, como aquela que vem prevista no artigo 37.º/2 da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (que prevê a notificação, à Autoridade da Concorrência, da adjudicação de um contrato que dê origem a uma “operação de concentração”, tal como definida naquela lei).
3) Documentos da proposta
Um exemplo clássico, meu preferido: a entidade adjudicante exigir, no programa do procedimento, a apresentação dos “esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento” (destaque meu, claro).
A moral da história é que nem sempre copiar a lei [neste caso, o artigo 57.º/1, alínea d) do CCP] dá bom resultado: só porque está na lei, não significa que não deva haver um mínimo de espírito crítico. É a entidade adjudicante que, nas peças, deve ou não dizer se há um “preço anormalmente baixo”, em vez de pôr os concorrentes a adivinhar se ele resulta ou não, “directa ou indirectamente”, das peças que estão a ler… o que é grave, sobretudo, quando depois essas mesmas peças nem sequer fixam qualquer “preço anormalmente baixo”, deixando os concorrentes sem perceber qual a utilidade da exigência dos “esclarecimentos” em causa.
4) Critério de adjudicação
A fixação do critério do preço mais baixo, sem prever critérios de desempate no caso (frequentíssimo, aliás) de dois ou mais preços igualados ao cêntimo (ou em mais casas decimais…).
Não quero entrar aqui em discussões sobre a aplicação do sorteio ou sobre o entendimento do Tribunal de Contas relativamente à previsão do momento da apresentação das propostas como critério de desempate – aspectos que já foram desenvolvidos na doutrina, em especial por João Amaral e Almeida (na Revista de Contratos Públicos) e por Licínio Lopes Martins (nos Cadernos de Justiça Administrativa). O que vale a pena, sim, é relembrar as entidades adjudicantes que, em contratos de prestações padronizadas e em mercados pequenos, quando se adjudica só com base no preço, a ocorrência de empates é normal e é expectável: uma capacidade de antecipação do problema, através da sua regulação ex ante, permite evitar dores de cabeça num momento mais adiantado do procedimento.
Em suma, termino como comecei: todos aguardamos a revisão do CCP, que chegará cerca de um ano depois do termo do prazo para a transposição das Directivas de 2014 (o qual terminava em Abril de 2016). Mas não podemos esperar tudo do legislador e esquecer-nos do que só depende de nós.
Qualquer um dos aspectos que acima referi (e tantos outros poderiam ser elencados) se deve apenas a mau planeamento, e não a má legislação. Não é preciso, por isso, esperar que o legislador venha regular tudo, mas sim, tão-somente, não criar problemas onde eles não existem ou não têm de existir. E isso vem com a experiência, com a troca de impressões (este blog pode ser um local bom para o efeito) e, factor por vezes raro, com uma dose de bom senso.
Como dizia alguém, fazer as coisas de forma simples é do mais complicado que há. Mas penso que isso não deve fazer-nos desistir de tentar.
Caro Marco,
Já nos habituou a reflexões pertinentes e esta não foge à regra. Concordo em especial quando sublinha a importância de não se criar problemas onde eles não existem ou não têm de existir. Num estudo que realizei, de âmbito municipal, percebe-se alguma inquietação na linha argumentativa apresentada pelos municípios relativamente ao processo de elaboração de um procedimento pré-contratual.
Porque a contratação pública é um processo complexo e multidisciplinar decidi aprofundar o estudo para outro nível e com outra lógica. Segundo dados da Comissão Europeia (2015) estima-se que quase metade dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) sejam gastos por via dos contratos públicos no apoio aos objetivos de desenvolvimento regional e convergência. Como tal, a própria Comissão Europeia numa primeira instância e outras organizações de gestão, numa segunda instância, procuram promover uma boa gestão na contratação pública dos diversos Estados Membros.
No período de programação 2007-2013 os erros e irregularidades de contratação pública identificados nas operações submetidas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Fundo de Coesão (FC) representavam cerca de 40% (European Court of Auditors, 2015), o que assinala bem a importância da (boa gestão) contratação pública na implementação dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.
Numa envolvente marcada pela introdução de inovações substanciais, o referencial político para o período de programação 2014-2020 marca uma nova fase das políticas de coesão. Dada a complexidade e variedade do quadro regulamentar, bem como o número de partes interessadas envolvidas, os contratos públicos são frequentemente propensos a irregularidades e deficiências. Seria, pois, desejável que o novo quadro jurídico da contratação pública não criasse (mais) problemas onde eles (efetivamente) não existem.
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Caro Luís,
Antes de mais, muito obrigado pelo seu comentário e pelas suas simpáticas palavras.
Aqui como noutros campos, é sempre, sem dúvida, desejável que o legislador não “invente” problemas (até para afastar aquela tese conspiratória de que a lei só é má para que os advogados e juristas tenham trabalho…). Penso que a discussão pública do Anteprojecto de revisão do CCP contribuiu para apontar falhas e soluções – veremos se, e em que medida, o legislador dará ou não acolhimento aos vários contributos que, de diversos quadrantes, lhe foram sendo transmitidos.
O Luís toca num aspecto importante, e que eu não referi: de facto, a nível europeu, e a propósito da utilização dos fundos comunitários, há efectivamente “manuais” ou “guias” de boas práticas. Muito úteis em geral (para orientar os decisores) e com a relevância de a elegibilidade dos fundos atribuídos depender muito do cumprimento dessas indicações.
Julgo, em qualquer caso, que as “boas práticas”, em geral, não se encontram suficientemente disseminadas, sendo muitas vezes preciso recorrer à experiência própria ou consultar a jurisprudência para detectar os erros mais frequentes. Seria desejável que as próprias entidades adjudicantes pudessem partilhar experiências entre si e aprenderem com os erros umas das outras, de modo a minimizá-los no futuro.
É que, como eu por vezes digo em aulas ou acções de formação, saber aplicar a lei não é só saber o que ela diz, mas sim perceber qual a melhor forma de fazer aquilo que pretendemos, dentro do que a lei possibilita (e também dentro do que a jurisprudência entende que a lei possibilita, mesmo que, por vezes, com interpretações demasiado restritivas… mas isso seria conversa para outro tópico).
Um abraço e obrigado uma vez mais,
Marco
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Concordo com a reflexão do Sr. Professor Marco, sempre oportuna e com selo de excelência, neste caso sobre alguns erros cometidos pelas entidades adjudicantes na preparação dos procedimentos pré-contratuais. São detalhes de extrema importância para garantir uma boa tramitação procedimental, sem dúvida.
Mas, também, os operadores económicos se forem mais cuidadosos na instrução das suas propostas evitam muitos dos problemas suscitados no decorrer dos procedimentos, sobretudo os relacionados com os motivos de exclusão. E não será preciso muito para estarem a salvo ou minimizar decisões que lhes possam ser desfavoráveis, para isso ler cuidadosamente: i) as normas do regulamento do procedimento (programa ou convite) inerentes às formalidades e documentos exigidos para as propostas, ii) a norma relativa aos motivos de exclusão, iii) e se dúvidas tiverem, solicitar esclarecimentos nos termos do art.º 50.º do CCP. Não é tudo, mas ajudaria substancialmente.
E tudo isto assume contornos de maior pertinência após a revisão do CCP, agora, inquestionavelmente, a exigir qualitativamente mais de todos os operadores jurídicos envolvidos na contratação pública.
Neste âmbito, em França, nos sites oficiais da contratação pública afetos ao Estado, são divulgados conselhos às entidades adjudicantes e aos operadores económicos, conforme podemos constatar: Conseils d’acheteurs publics pour éviter les erreurs, no endereço: http://www.boamp.fr/Espace-entreprises/Comment-repondre-a-un-marche-public/Conseils-d-acheteurs-publics-pour-eviter-les-erreurs e 10 conseils pour réussir, no endereço: https://www.economie.gouv.fr/daj/acheteurs-publics-10-conseils-pour-reussir.
Destarte, em Portugal, conselhos ou dicas aos operadores económicos, junto ao anúncio ou resumo deste a divulgar no site da entidade adjudicante, nos termos do n.º 2 do art.º 130.º do CCP, porventura não seria despiciendo. Para as entidades adjudicantes, seria recomendável fazê-lo nos documentos e instruções internas (manuais de boas práticas) e v.g., como em França, de forma generalizada num portal oficial de acesso público.
Gostaria agora de comentar a questão do desempate das propostas. Neste domínio muitas entidades adjudicantes fixaram (no passado) nos documentos concursais como critério de desempate: “A proposta que tiver sido apresentada mais cedo”, precisamente recorrendo ao previsto na lei para o concurso público urgente, nos termos do n.º 2 do art.º 160.º do CCP (antes da revisão).
Todavia, quando o sobredito critério fosse adotado em outros procedimentos pré-contratuais que não o concurso público urgente, tanto a doutrina como a jurisprudência divergem quanto à validade da sua utilização, embora existam argumentos idóneos para sustentar uma ou outra posição. Julgo aceitável o entendimento dos que propugnam a viabilidade da utilização do critério sub judice, com o argumento que o mesmo deverá ser o último a adotar, após esgotados outros critérios de desempate preferencialmente conexionados com os aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
Mas como aludi a situação não é pacífica, nomeadamente na jurisprudência, dois acórdãos ilustram a dissonância: um do Tribunal de contas (Acórdão N.º 1 /2013, de 8 de janeiro – 1.ª Secção/SS) o outro do Supremo Tribunal Administrativo (Processo: 0715/13, de 15-05-2013) ao consagrarem decisões opostas. O primeiro rejeita a adoção do critério de desempate estribado na proposta apresentada mais cedo; o segundo (embora assente numa abordagem perfunctória) admite a possibilidade daquele critério de desempate, corroborando a decisão do TCA Norte, de 22.02.2013, que por sua vez tinha confirmado a sentença do TAF de Viseu.
Entretanto, com a revisão do CCP, o n.º 2 do art.º 160.º é revogado e o legislador no n.º 6 do art.º 74.º dispõe: “Podem ser utilizados como critério de desempate, designadamente, os fatores e subfatores estabelecidos nos termos do artigo seguinte, por ordem decrescente de ponderação relativa, ou a proposta que tiver sido apresentada por empresas sociais ou por pequenas e médias empresas, por ordem crescente da categoria das empresas.”.
A utilização do advérbio “designadamente” aponta para um elenco exemplificativo dos vários critérios de desempate que podem ser utilizados, ou seja, aparentemente admite outros, estejam ou não conexionados com o objeto do contrato a celebrar (não obstante a ligação do critério de adjudicação ao objeto do contrato seja uma regra central a observar imposta pelo legislador, ex vi art.º 75.º/1 do CCP). E onde manifestamente se enquadra o critério de desempate vertido na primeira parte do art.º 74.º/6, passível de aplicação quando critério de adjudicação adotado for de natureza multifatorial e, eventualmente, mesmo nos casos em que seja exequível avaliar o preço ou o custo através de mais do que um fator, nos termos do art.º 139.º/1.
E a primeira questão que me ocorre, no caso da avaliação do preço apenas, definir como critério desempate o sorteio sem ter em conta os critérios do art.º 74.º/6, e desviando-se da regra defendida até aqui, designadamente, pelo Tribunal de Contas, no sentido de ser utilizado como derradeiro método (Cfr. DECISÃO N.º 1/FP/2017, ponto IV, al. b), do Tribunal de Contas, Seção Regional da Madeira).
Admito que seja possível. Ainda assim, deixar o sorteio como critério final parece-me a solução mais consentânea.
Se é certo que se pode potenciar a performance das propostas se for utilizado um critério relacionado com os aspetos do contrato a celebrar, depois de avaliadas já não é possível aditar valor às mesmas, o seu mérito é intangível. Portanto, estando empatadas valem o mesmo, quer antes quer depois de ser aplicado o critério de desempate. Assim sendo, numa primeira abordagem, diria que qualquer critério de desempate de natureza aleatória poderá ser utilizado. E aqui incluo mesmo aquele baseado na prevalência dos fatores do critério de adjudicação, pois mesmo o facto dos concorrentes poderem afeiçoar a valoração das suas propostas em função do critério de adjudicação (compensar: por menos aqui e por mais ali) não afasta o caráter aleatório do desempate com arrimo nos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação por ordem decrescente de ponderação relativa, pela simples razão que quando foram instruídas as propostas o conteúdo das mesmas era desconhecido dos concorrentes oponentes. Neste contexto, o desempate será sempre uma “escolha” aleatória.
Por último, interrogo sobre a possibilidade de utilização do sorteio ocorrer por via eletrónica, com recurso à plataforma utilizada pela entidade adjudicante na tramitação do procedimento pré-contratual. Por exemplo, utilizar o somatório dos quatro primeiros dígitos da hora de submissão de todas as propostas na plataforma e multiplicar por 10. O número obtido seria a referência para o desempate. Seria adjudicada a proposta cujo o número com 5 dígitos indicado na mesma (exigido no regulamento do procedimento) fosse igual ou mais se aproximasse dos 5 primeiros dígitos do número de referência. Se persistisse o empate, o mesmo critério, mas tendo como referência os números do sorteio semanal do totoloto. É apenas uma ideia, carece de análise e ensaio.
Agradeço ao Sr. Professor Marco Caldeira os enormes contributos que tem dado neste espaço de acesso público. Obrigado.
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Meu Caro,
Com muito atraso, pelo qual me penitencio, venho agora aqui agradecer-lhe as suas palavras tão amigas e deixar alguns comentários telegráficos.
Em primeiro lugar, quando ao cuidado acrescido que os operadores económicos têm de ter: sem dúvida! Por vezes, uma pequena distracção pode ser fatal, mesmo com “válvulas de escapae” como as que agora constam do (novo e polémico) artigo 72.º/3 do CCP. Além disso, também é bom evitar a superabundância de informação, para obviar a exclusões “desnecessárias” (“desnecessárias” porque o concorrente muitas vezes se espraia por domínios em que não tinha de entrar, acabando por, inadvertidamente, revelar desconformidades ocultas da sua proposta).
Quanto aos cuidados que as entidades adjudicantes devem ter à luz do novo quadro legal, aproveito para remeter para o artigo que publiquei recentemente no primeiro número da Revista de Direito Administrativo (aproveitando para fazer a minha parte de publicidade…). Além dos problemas que “criam”, as entidades adjudicantes vêem-se agora na necessidade de enfrentar os problemas que o novo regime suscita, com novos desafios ou, pelo menos, com um novo grau de dificuldade relativamente aos desafios já existentes.
Agradeço a partilha dos sites franceses sobre os erros a evitar, muito úteis. Entre nós, o IMPIC anuncia pretender assumir-se como orientadora das entidades adjudicantes, tendo esta semana publicado a sua primeira “orientação técnica” com a leitura do (difícil) regime do artigo 113.º/2 do CCP: http://www.impic.pt/impic/pt-pt/noticias/orientacao-tecnica-01ccp2018-escolha-das-entidades-a-convidar-nos-procedimentos-de-ajuste-direto-e-. Numa primeira abordagem, parece-me haver neste documento alguns aspectos duvidosos ou discutíveis, no mínimo praeter legem… de todo o modo, o IMPIC não é o legislador nem procede à “interpretação autêntica” da lei, embora o seu contributo possa ser uma boa ajuda (desde que não se transforme imperceptivelmente em legislação subsidiária…). A intervenção do IMPIC em matéria de “orientações técnicas” será um aspecto a acompanhar com interesse crescente.
Por fim, quanto ao sorteio: em abstracto, desde que reunidas as necessárias garantias de igualdade, imparcialidade e transparência, nada me parece obstar a que o mesmo se realize por via electrónica (porventura, por essa via será até mais simples assegurar as condições exigidas). Ponto é saber se e em que medida o sorteio é admissível, em geral; a doutrina tem-no admitido por aplicação analógica de um outro regime legal; o legislador do DL 111-B/2017, por seu turno, não tendo regulado a matéria, deu contudo duas indicações importantes: por um lado, revogou o artigo 160.º/2 e, no novo artigo 74.º/5, impediu expressamente que o desempate seja efectuado com base no momento da apresentação das propostas; por outro lado, no artigo 74.º/4, veio acrescentar expressamente a obrigação de as entidades adjudicantes preverem desde logo os critérios de desempate, especificando (a título exemplificativo, é certo) que os mesmos podem dizer respeito aos coeficientes de ponderação de cada um dos factores do critério de adjudicação ou à dimensão da empresa proponente (com vista a favorecer as PME mas, aqui, fazendo-o de forma não isenta de dúvidas…). Não sei se estamos perante um silêncio eloquente ou concludente, isto é, se o silêncio do legislador tem algum significado no que respeita à (in)admissibilidade do sorteio, mas parece-me matéria merecedora de reflexão mais profunda.
Agradeço uma vez mais os excelentes contributos dados à discussão. Bem haja.
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1. Aproveito, também, a oportunidade para reagir ao conteúdo da “orientação técnica” chamada à colação pelo Sr. Professor Marco Caldeira no comentário postado anteriormente, e às pertinentes observações sobre o teor daquele documento com as quais concordo.
2. Efetivamente no dia 05/02/2018, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC), divulgou um documento com o título: “Orientação Técnica 01/CCP/2018 – Escolha das Entidades a convidar nos procedimentos de Ajuste Direto e de Consulta Prévia (Artigo 113.º Do CCP)”, acessível no endereço: http://www.impic.pt/impic/assets/misc/pdf/OrientacaoTecnicaIMPIC_01CCP2018.pdf
3. O IMPIC refere que estabelece a orientação técnica no âmbito das competências que lhe estão atribuídas pelo artigo 454.º-A do Código dos Contratos Públicos (CCP) e pelo artigo 3.º, nº 3, alínea e), do Decreto-Lei nº 232/2015, de 13 de outubro.*
4. O documento produzido padece de falhas (estou a ser generoso) substanciais. Não é compatível, em vários aspetos, com um manual de boas práticas, sendo que é este que o IMPIC está habilitado por lei a produzir.
5. Um manual de boas práticas deve caraterizar-se por apelar à observância de comportamentos adequados e que só o serão se existir segurança na orientação da conduta, um padrão de comportamento com fronteiras bem definidas. Porém, matéria nova e controvertida é o que não falta, designadamente, o n.º 2 do art.º 113.º do CCP.
6. A designação utilizada “Orientação Técnica” e o conteúdo que lhe está associado suscita algo mais, vai além das simples comunicações recomendatórias que devem caraterizar um manual de boas práticas.
7. A “orientação” do IMPIC veicula uma interpretação do art.º 113.º do CCP muito questionável, por conseguinte, desaconselhável a sua integração num manual de boas práticas. Em seguida, analisamos alguns exemplos.
8. No n.º 2 da “Orientação Técnica”, sobre “como escolher as entidades a convidar”, considero que a fundamentação deva ocorrer (mesmo no silêncio da lei), mas quanto às razões indicadas nas alíneas a), b) e c) para fundamentar a escolha, julgo não serem as mais adequadas: i) pois potencia a participação nos procedimentos adjudicatórios dos mesmos operadores económicos, ii) restringe o universo da escolha.
9. No último paragrafo do n.º 2 é referido: “De modo a que a consulta prévia se traduza em efetiva concorrência, não devem ser convidadas, num mesmo procedimento, várias entidades que estejam interligadas entre si, designadamente pelo facto dos sócios ou accionistas serem os mesmos.”.
10. A situação apresentada só por si não é suscetível de falsear as regras de concorrência. Embora se compreenda o objetivo traçado pelo IMPIC, carece de base legal sólida a sua plena exequibilidade.
11. Em síntese, sobre o n.º 2 da “Orientação Técnica”, entendo que os critérios de escolha apontados pelo IMPIC são passiveis de violar, nomeadamente, os princípios da concorrência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, consagrados no art.º 1.º-A/1 do CCP.
12. No n.º 7 da “Orientação Técnica”, a posição no que tange aos designados “limites trienais”, concretamente se: “As adjudicações por ajuste direto somam às da consulta prévia para efeitos de contabilização dos limites previstos no nº 2 do artigo 113º? ”, o IMPIC é categórico, simplesmente a resposta é: “Não”.
13. É surpreendente o “tiro certeiro” relativamente a uma norma caraterizada pela ambiguidade e pelo eventual dissenso doutrinal. Até pode ser a melhor leitura a realizada pelo IMPIC, mas por que motivo deve ser já assumida. Num cenário de dificuldade interpretativa justificava-se, por agora, somar tudo. Esta seria a melhor solução para evitar convites reiterados ao mesmo operador económico, precisamente o que o legislador visa garantir no art.º 113.º/2 do CCP. Seria o mais consentâneo com um manual de boas práticas.
14. No n.º 8 da “Orientação Técnica” existe uma imprecisão que pode levar a equívocos (pois não existiram consultas em 2017), porventura o IMPIC quer referir-se aos ajustes diretos com consulta a mais de uma entidade, nos termos do art.º 112.º do CCP, que vigorou até 31 de dezembro de 2017. Mas, se assim é, então parece existir alguma incongruência (ou a merecer outro tipo de abordagem) com o manifestado no n.º 7 sobre o somatório das adjudicações dos procedimentos de ajuste direto e consulta prévia. Note-se que existiram adjudicações anteriores a 2018, no âmbito de procedimento pré-contratual semelhante à atual consulta prévia.
15. No n.º 11, alínea a), da “Orientação Técnica”, é mencionado como alteração relevante: “A obrigação de proceder a consulta prévia”.
16. Não se compreende o que aqui é dito. O art.º 113.º do CCP aplica-se ao ajuste direto e consulta prévia. Impõe a consulta prévia em que contexto? O IMPIC deverá explicar este aspeto.
17. O IMPIC não se pode substituir à lei ou ao órgão competente para a decisão de contratar. Se é certo que não é essa a intenção do IMPIC, mas a forma como está elaborado o documento sub judice (Orientação Técnica), a interpretação nele plasmada, poderá condicionar a aplicação da lei por parte das entidades adjudicantes, que assim tendencialmente utilizarão aquele como instrumento de referência na sua atuação, em detrimento da fonte primacial do direito. No caso concreto em apreço (relativamente aos aspetos mais discutíveis) poderá não ser o melhor caminho a seguir.
18. Aparentemente, um manual de boas práticas, previsto no art.º 136.º/4 do CPA, não tem força jurídica vinculativa, tem carácter recomendatório. Nas palavras do Professor Carlos Blanco de Morais: “ (…) as recomendações e manuais de boas práticas se parecem situar mais no domínio da “soft law ”.**
19. O Conselho de Prevenção da Corrupção e o Tribunal de Contas também têm competência para emanar recomendações no domínio da contratação pública, veremos depois as consequências práticas do papel destas entidades em coexistência com o produzido pelo IMPIC.
20. Em Itália a supervisão e regulação da contratação pública está cometida a uma entidade: Autorità Nazionale Anticorruzione (ANAC),***que assumiu as competências da Autorità per la vigilanza sui contratti pubblici (AVCP) que foi extinta em 2014. A ANAC que tem poderes para emitir recomendações vinculativas, nos termos do art.º 211.º do Código dos Contratos Públicos italiano****e art.º 12.º do Regolamenti del 15 febbraio 2017. Mas aqui existe indicação expressa da lei. Em Portugal não se foi tão longe.
21. A regulação da contratação pública é desejável, nesse sentido o legislador reforçou os poderes do IMPIC com a revisão do CCP, mas a utilidade da sua ação não é concretizável, em termos apropriados, se continuar nos moldes deficitários que patenteia a sua primeira “Orientação Técnica”.
*Dispõe este diploma: “São atribuições do IMPIC, I. P., no domínio da regulação dos contratos públicos de aquisição de obras, bens e serviços: Produzir manuais de boas práticas sobre contratos públicos de aquisição de obras, de bens e de prestação de serviços”. (Cfr. artigo 3.º/3/e) – Sublinhado e negrito meus.
**Cfr. Novidades em matéria da disciplina dos regulamentos no Código do Procedimento Administrativo, Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 158. Disponível na internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_novo_CPCA.pdf
***http://www.anticorruzione.it/portal/public/classic/Autorita
****http://www.gazzettaufficiale.it/atto/serie_generale/caricaDettaglioAtto/originario?atto.dataPubblicazioneGazzetta=2016-04-9&atto.codiceRedazionale=16G00062
*****https://www.anticorruzione.it/portal/public/classic/AttivitaAutorita/AttiDellAutorita/_Atto?id=421737c10a7780422fd8db09bbd14eb8
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Os links corretos para a legislação italiana são os seguintes:
**** http://www.gazzettaufficiale.it/atto/serie_generale/caricaDettaglioAtto/originario?atto.dataPubblicazioneGazzetta=2016-04-19&atto.codiceRedazionale=16G00062
***** http://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2017/02/28/17A01537/sg
(Regolamenti del 15 febbraio 2017)
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Ainda a propósito da Orientação Técnica do IMPIC, vale a pena ler o editorial da última newsletter do CEDIPRE, com a interessantíssima opinião dos Professores Pedro Gonçalves, Licínio Lopes Martins e Bernardo Azevedo: https://www.fd.uc.pt/cedipre/newsletter.html.
Verdadeiramente, seria assunto para um post autónomo, mas muito do que há a dizer já foi aqui antecipado.
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E, como uma Orientação Técnica não chega… veja-se o correspondente esclarecimento: http://www.base.gov.pt/mediaRep/inci/files/orienta%C3%A7%C3%A3o%20t%C3%A9cnica/OrientacaoTecnicaIMPICCCPEsclarecimentos__2_.pdf
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O IMPIC ou reformula o que disse até agora ou retira tudo. A manter-se o veiculado vai criar incerteza e insegurança nas entidades adjudicantes. Um manual de boas práticas é para ajudar não para complicar.
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Grande tem sido a agitação e preocupação em torno do art.º 113.º/2 do CCP. Pairam dúvidas interpretativas. Em reação surge agora uma iniciativa parlamentar, concretamente sobre um dos aspetos controvertidos daquela disposição do CCP, a sua aplicação no tempo.
Refiro-me ao PROJETO DE LEI N.º 808/XIII-3.ª, que tem por objeto: “Norma transitória relativa à aplicação do n.º 2 do Artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos., na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.”, tendo obtido parecer favorável da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, e enviado ao Presidente da Assembleia da República, em 26/07/2018, para que possa ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República.*
Segundo os proponentes o facto de o legislador não ter previsto nenhuma norma transitória sobre a aplicabilidade da nova redação do art.º 113.º/2 do CCP e do próprio artigo 12 º do Decreto-Lei n.º111-B/2017, de 31 de agosto, estatuir que o mesmo só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua entrada em vigor, provoca problemas relacionados com a aplicação da lei no tempo, situação que a iniciativa legislativa pretende esclarecer, propondo para o efeito que o n.º 2 do artigo 113.º apenas produza plenos efeitos em 2020, estabelecendo um regime diverso para os anos de 2018 e 2019.
Não sabemos se este projeto de lei verá a luz do dia ou se terá esta redação ou outra no final. Agora, julgo inequívoco, que algo em termos legislativos deverá ser produzido para estabilidade interpretativa e boa aplicação do direito, que não pode ter vários sentidos sobre o mesmo aspeto, ao arrepio do art.º 9.º do CC. Neste âmbito, recorde-se o veiculado pelo IMPIC, ilustrativo das dificuldades e dúvidas com que se deparou diante o art.º 113.º/2 do CCP, ao apontar mais do que um caminho: “Todavia, durante este período transitório de 2018 e 2019, sempre que não for possível cumprir a orientação aí vertida, podem não ser contabilizados os contratos celebrados em 2017 e 2016. Reitera-se, no entanto, que todos os serviços, organismos e entidades devem envidar os melhores esforços para cumprir sempre e/ou assim que possível, a orientação em causa.”.**
Não é por via de apelos à boa vontade. A interpretação e aplicação da lei postula um ambiente de certeza e segurança jurídicas. O Direito, não esqueçamos, é uma ciência. Justifica-se, a meu ver, a intervenção do legislador. Veremos como culminará a iniciativa parlamentar dos deputados subscritores do PROJETO DE LEI N.º 808/XIII-3.ª.
O escopo do art.º 113.º/2 do CCP é impedir o convite reiterado ao mesmo operador económico e possibilitar a escolha de entidades diversas. Consequentemente, a ausência de uma norma transitória que permita a aplicação do art.º 113.º/2 do CCP origina, na minha opinião, que a escolha das entidades a convidar se faça com estribo nos princípios gerais da contratação pública, designadamente, da concorrência, transparência, igualdade de tratamento e não-discriminação, vertidos no n.º 1 do art.º 1.º- A do CCP. Neste contexto, quando existam no mercado outros operadores económicos idóneos a participar no procedimento adjudicatório a escolha deverá recair sobre estes.***
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*Cf.http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42333
**Cf.http://www.base.gov.pt/mediaRep/inci/files/orienta%C3%A7%C3%A3o%20t%C3%A9cnica/OrientacaoTecnicaIMPICCCPEsclarecimentos__2_.pdf
***Destarte, o PROJETO DE LEI N.º 808/XIII-3.ª sub judice deveria contemplar uma disposição expressa nesse sentido. Porém – e que discordo – a norma transitória nos moldes projetados inclina-se para apagar, em parte, o passado.
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Meu Caro,
Muito obrigado pelo oportuno comentário.
Por razões de tempo, irei responder de forma telegráfica, apenas para dizer que é incompreensível que o legislador da revisão do CCP não tenha previsto e regulado o problema, assim como não compreendo a demora na votação do projecto de lei a que se refere, tendo em conta a evidência urgência e conveniência no esclarecimento das dúvidas suscitadas.
Quanto à solução a adoptar, as soluções podem ser várias (e têm sido, aliás, várias as leituras feitas: remeto, neste particular, para a secção temática do n.º 2 da “Revista de Direito Administrativo”). Concordo que a “orientação” do IMPIC “orienta” muito pouco e que a matéria não pode estar na dependência da maior ou menor boa vontade dos aplicadores.
Por acaso, sem desconhecer a ratio do artigo 113.º/2 do CCP e tendo presente as posições doutrinárias que defendem o contrário, eu inclinar-me-ia, tendencialmente, para considerar que a norma só pode ter em consideração os ajustes directos e consultas prévias após 1 de Janeiro de 2018. É verdade que a solução de “zerar” o passado tem inconvenientes, mas julgo que, apesar de tudo, seria uma “dor de crescimento” tolerável, em nome da segurança jurídica. Misturar “alhos com bugalhos”, mesmo que com boa intenção, parece-me contraproducente.
De todo o modo, em abstracto, não me repugnaria que o regime se aplicasse desde já e tivesse em conta os procedimentos por convite (isto é, o anterior ajuste directo) lançados em 2016 e 2017. Mas isso deveria resultar de opção expressa e inequívoca do legislador, que, a não ter sido tomada e explicitada, levanta sérias e escusadas complicações.
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Mais dois exemplos de redacções incongruentes e soluções a evitar.
Caso 1: a norma que indica os documentos que constituem a proposta estabelece que a proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, é apresentado, em substituição da declaração do Anexo I, o Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP).
Trata-se de uma redacção que, apesar de pedagógica, é genérica e dispensável. O concorrente não precisa destas “explicações” no programa do procedimento, para os “procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia” em geral (como se o programa tivesse uma vocação mais abrangente e não se aplicasse só ao procedimento em concreto).
O que importa é saber se este procedimento era ou não um concurso internacional e, nesse caso, dizer que a proposta deve ser acompanhada pelo DEUCP. Só.
Caso 2: um caderno de encargos que estabelece expressamente que a cessão da posição contratual e subcontratação pelo cocontratante não são permitidas dá-se ao trabalho de, noutra disposição, ressalvar que não constituem força maior, designadamente, circunstâncias que “não constituam força maior para os subcontratados do prestador de serviços, na parte em que intervenham”, “greves ou conflitos laborais limitados às sociedades do prestador de serviços ou grupo de sociedades em que se integre, bem como as sociedades ou grupo de sociedades dos seus subcontratados”.
Dir-se-á que, se a subcontratação não é possível, estas questões nem sequer teriam como se colocar no contrato em concreto. Parece um caso clássico de incorporação de cláusulas gerais de diferentes cadernos de encargos, sem a preocupação de uniformização final.
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Mais um exemplo bom – no programa do procedimento, a entidade adjudicante prevê a seguinte causa de não adjudicação:
“Nos casos a que se refere o n.º 5 do artigo 47.º, a entidade adjudicante considere,
fundamentadamente, que todos os preços apresentados são inaceitáveis”.
Sucede que o programa do procedimento em causa fixava um preço base e, inclusivamente, tinha o cuidado de referir que a sua ultrapassagem conduziria à exclusão das propostas…
Ou seja: o programa do procedimento contém uma disposição que, por definição, seria inaplicável ao concurso em causa.
Como dizia um ilusttre humorista da nossa praça: “não havia necessidade”.
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