Enquanto se aguarda pela iminente revisão do CCP – depois do veto do Presidente da República em Dezembro do ano passado, só este mês o Parlamento voltou a debruçar-se sobre o tema, antevendo-se que a nova versão do diploma venha a ser aprovada em breve –, importa dar conta de outras alterações legislativas relacionadas com a matéria da contratação pública.
Assim, através da Lei n.º 18/2021, de 8 de Abril, o legislador alterou diversas disposições do Código do Trabalho, essencialmente para esclarecer algo que, em qualquer caso, já resultava da lei: o de que a sucessão de entidades empregadoras, no caso de transmissão de uma unidade económica* (ficando o novo titular da unidade com os trabalhadores afectos à mesma e que anteriormente tinham vínculo com o transmitente**), também se aplica quando a “transmissão de empresa ou estabelecimento” ocorre na sequência de “adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação” (cf. o novo n.º 10 do artigo 285.º do Código do Trabalho).
Não é que esta alteração seja propriamente inovadora, porquanto do n.º 1 do mesmo artigo 285.º já resultava que, “[e]m caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral”, sendo certo que aquela referência já abarcava (e já vinha sendo entendida como abarcando) à transmissão do estabelecimento por efeito da celebração de um contrato público com um novo operador económico.
Isso ajuda, de resto, a dissipar quaisquer dúvidas que, de outro modo, poderiam eventualmente suscitar-se relativamente à disposição transitória constante do artigo 3.º da Lei n.º 18/2021, que manda aplicar este regime “aos concursos públicos ou outros meios de seleção, no setor público e privado, em curso durante o ano de 2021, incluindo aqueles cujo ato de adjudicação se encontre concretizado”: se a alteração legislativa não fosse meramente clarificadora mas sim inovadora, pelo menos este último segmento da norma poderia revelar-se problemático, da perspectiva da segurança jurídica/protecção da confiança.
Perante a ausência de inovação, pode mesmo perguntar-se, como já tem sido perguntado, se esta alteração legislativa seria efectivamente necessária: de todo o modo, numa primeira leitura, não se vislumbra que a Lei n.º 18/2021 tenha vindo introduzir algum problema que eliminasse a vantagem da maior certeza jurídíca agora trazida ao quadro legal, podendo ser importante para “lembrar” alguns concorrentes mais incautos ou desprevenidos deste encargo que assumirão em caso de adjudicação (e que muitas vezes passava despercebido e que não era devidamente reflectido no preço das propostas, por um desconhecimento que, porventura, era induzido também pela insuficiente “sinalização” legislativa).
* Para este efeito, considera-se “unidade económica” “o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória” (cf. artigo 285.º, n.º 5 do Código do Trabalho).
** De notar que não é apenas a titularidade dos vínculos laborais que se transmite, mas também o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vincula o transmitente, conforme resulta do artigo 498.º, n.º 1 do Código do Trabalho, aplicável por remissão do artigo 285.º, n.º 14 do mesmo diploma.
No contexto da contratação pública é assunto de suprema importância. É frequente a discussão em torno da integração dos trabalhadores e transmissão dos respetivos contratos de trabalho para o novo adjudicatário.
Por vezes não é assunto fácil. De um lado o direito dos trabalhadores, do outro os das empresas. Nem sempre a capacidade dos operadores económicos é adequada para garantir a continuidade dos postos de trabalho. A litigância pode ser confirmada em vários e recentes arestos: Acórdão do STJ, de 11-09-2019, Proc. 2743/15.5T8LSB.L1.S1 – Acórdão do STJ, Proc. 357/13.3TTPDL.L1.S2, de 19-12-2018 – Acórdão do STJ, de 06-12-2017, Proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1 – Acórdão do Tribunal de Justiça da UE, de 19 de outubro de 2017, no processo C 200/16.
Não é propriamente uma novidade a aplicação do art.º 285.º do Código do Trabalho (1) aos contratos públicos, como bem salienta o Prof. Marco Caldeira. Mas justifica-se mais clareza e previsão. Vou mais longe e defendo que o CCP deveria comtemplar uma norma específica nesta matéria. E também ser objeto de regulamentação nas peças dos procedimentos adjudicatórios. Embora aqui as entidades adjudicantes podem ter um papel mais ativo, por via do poder de conformação das regras do procedimento, ex vi n..º 4 do art.º 132.º do CCP.
Está previsto no n.º 2 do art.º 1.º-A do CCP “(…) que as entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral (…)”. Também, sanções por faltas graves em matéria profissional ou laboral poderão culminar em impedimentos à participação nos contratos públicos, ex vi art.º 55.º, n.º 1, alínea c) e f), do CCP. Já a alínea f), n.º 2, do art.º 70.º, do CCP, estabelece a exclusão das propostas que revelem “que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.
Mas, como referi, advogo a inclusão de uma norma com contornos mais específicos. Em termos semelhantes à cláusula social prevista no art.º 50.º do CCP de Itália. (2) Na senda do Considerando (3) da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001: “É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.”.
A alteração legislativa não é suficiente. Mas os benefícios são bons para os procedimentos adjudicatórios. Conhecendo as regras os concorrentes poderão moldar as suas propostas de forma mais adequada. Neste contexto, o Prof. Marco Caldeira sinaliza o aspeto que será mais influenciado: “preço das propostas”.
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(1) Existem também as obrigações previstas nas Convenções Coletivas, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego. Por exemplo, no âmbito dos “Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza” – Contrato Coletivo de Trabalho n.º 11/2020.
(2) DECRETO LEGISLATIVO 18 aprile 2016, n. 50
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