No último número da Revista de Direito Administrativo, agora publicado, tive oportunidade de escrever (criticamente) sobre um dos aspectos que me parece mais questionável na revisão em curso do Código dos Contratos Públicos (“CCP”): aquilo a que chamei de “preferências locais”, que se manifestam nos artigos 42.º, n.º 6, alínea d), 54.º-A, n.º 1, alínea d), 75.º, n.º 2, alínea d) e 113.º, n.º 4 do CCP, na redacção preconizada pelo Decreto n.º 95/XIV (passe a auto-publicidade, vide o meu “Das preferências “locais” na revisão do Código dos Contratos Públicos: são os “santos da casa” que fazem “milagres”?”, in Revista de Direito Administrativo, n.º 10, Janeiro-Abril de 2021, páginas 63 a 68).

Parece, no entanto, que esta não é uma tendência nova nem exclusiva do legislador, estando já enraizada em alguma Administração: com efeito, de acordo com os testemunhos recolhidos pelo Jornal Económico (edição de 15 de Janeiro de 2021), o mesmo já costuma suceder no sector segurador, queixando-se os operadores das limitações regionais dos concorrentes impostos por algumas entidades adjudicantes nos cadernos de encargos dos procedimentos que promovem para a contratação de seguros, sendo o universo dos concorrentes restringido em função da sua localização geográfica, em claro favorecimento e benefício dos operadores locais (cf. https://leitor.jornaleconomico.pt/download?token=ba1beda2aa6a64ffcb797e651779781a&file=SUP_MS_2076.pdf).

A ser verdade, trata-se, naturalmente, de uma prática legalmente inadmissível e que inquina a validade dos procedimentos em causa, podendo dar causa a possíveis impugnações judiciais; se se tratar de uma prática comum e não de um ou outro episódio pontual, é surpreendente que não existam pronúncias das entidades reguladoras ou decisões jurisprudenciais sobre a matéria, atenta a ostensiva ilegalidade destas restrições. De facto, prima facie, não se vislumbra motivo plausível para que uma entidade adjudicante possa legitimamente estabelecer restrições geográficas/territoriais em função da sede dos concorrentes – para mais, num serviço como os seguros –, não sendo fácil (ou possível…) encontrar um argumento para defender que a qualidade do serviço proposto depende do local onde se encontra estabelecida a entidade seguradora.

Até por isso, a revisão legislativa que se avizinha dá um péssimo sinal, parecendo vir como que “legitimar” (em vez de reforçar a proibição de) práticas que, em absoluto, deveriam ser abolidas, em prol de uma contratação pública mais concorrencial e transparente.