I. Aqui deixo a apresentação que passei no dia 30/09, nas Jornadas sobre a revisão do CCP na Universidade Católica: apresentacao-ucp-30-09-2016

II. Essencialmente, adiro à opção de autonomizar a consulta prévia, com consulta obrigatória a pelo menos três entidades: é uma opção válida para promover a transparência, a concorrência e a defesa do interesse público. Alguns dados que refiro na apresentação, incluindo dados de direito comparado, apoiam essa opção.

Não obstante, parece-me relevante reflectir sobre a conveniência da consagração de uma regra como a do artigo 27º-A do anteprojecto, que tem recebido algumas críticas, porventura justificadas.

III. O segundo tópico abordado na apresentação diz respeito ao regime proposto para a contratação excluída da parte II do Código por força dos artigos 5º e 5º-A do anteprojecto. O artigo 6º, na versão do anteprojecto, tem o propósito de ordenar e clarificar aquilo que na versão actual do CCP é totalmente obscuro, ou seja, a questão simples de saber quais as vinculações a que está sujeita uma entidade adjudicante quando celebra um contrato excluído do âmbito de aplicação da parte II.

O actual artigo 5º/6/a) do Código, embora bem orientado do ponto de vista valorativo, é infeliz na concretização: limita-se a mandar aplicar os princípios gerais, e as normas do CPA que concretizem preceitos constitucionais, a todos os contratos excluídos da parte II pelos nºs 1 a 4 do artigo. Ora, como parece claro, as exclusões da parte II contidas nos nºs 1, 3 e 4 do actual artigo 5º (o nº 2 está revogado) são bastante diferentes entre si e por isso não devem ser sujeitas ao mesmo regime. Assim, impunha-se uma tarefa de organização e clarificação, que o anteprojecto aproveita para levar a cabo eliminando outro dos artigos (o 6º) que, pela sua infelicidade, contribui para a “fama de Adamastor” de que goza o regime do âmbito objectivo de aplicação do CCP.

Deste modo, no anteprojecto, o conteúdo do actual artigo 6º do Código é devidamente arrumado no artigo 5º, a matéria da contratação no âmbito do sector público é autonomizada (pela extensão que ganhou nas directivas) num novo artigo 5º-A, e o artigo 6º passa a conter uma indicação do regime aplicável aos contratos excluídos da parte II.

Assim, o artigo 6º/1 do anteprojecto estabelece o nível mais genérico de vinculação: ao celebrarem contratos excluídos da parte II por algum dos critérios dos artigos 5º e 5º-A, as entidades públicas em questão ficam sujeitas aos princípios gerais e (algo que me parece bastante importante, e que seguramente se pode dizer que constitui já prática comum) a um dever de fundamentar as razões pelas quais não é aplicável a parte II.

Já o artigo 6º/2 (de que trata mais detidamente a apresentação anexa) contém um nível mais intenso de vinculação, aplicável, não a todos os contratos excluídos da parte II, mas apenas aos aí expressamente referidos. Nestes contratos, faz sentido afirmar a vigência dos princípios gerais da contratação pública (diferentes, portanto, dos princípios gerais da actividade administrativa; esta distinção ficará para um outro post). Contudo, e ao contrário do que sucede com a actual redacção do artigo 5º/6/a), que deixa toda essa tarefa ao intérprete, o anteprojecto assume o propósito de retirar consequências concretas dos princípios gerais da contratação pública, preservando, porém, a margem ampla de autonomia das entidades adjudicantes que se impõe em contratos deste tipo.

Como digo na apresentação, algumas críticas que têm sido apresentadas ao artigo 6º/2 (João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, Comentários, 2016, pp. 23 ss.) não me parecem acertadas. Essas críticas esquecem que o regime actual é, esse sim, gerador de uma insegurança jurídica séria, que o anteprojecto procura corrigir. Mas sobretudo, tais críticas partem de um determinado entendimento, com o qual estou totalmente em desacordo, sobre o âmbito, o sentido e as consequências da sujeição aos princípios da contratação pública (designadamente de fonte europeia). Ao contrário do que os referidos autores chegam a dizer, é evidente que os princípios gerais da contratação pública (os dos tratados e não só) se aplicam aos contratos excluídos do regime da parte II (sim, incluindo os serviços sociais e outros serviços específicos abaixo de 750.000€). É também evidente, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que essa sujeição se traduz na necessidade de encontrar procedimentos adequados à natureza e valor do contrato a celebrar, que podem (ou não) incluir a necessidade de publicidade.

A leitura da doutrina mais autorizada (e mais insuspeita nesta matéria) é esclarecedora: leia-se Sue Arroswsmith, The Law of Public and Utilities Procurement, I, 2014, pp. 245-279 (já incorporando a análise do impacto das novas directivas: pp. 276-279), e leia-se a jurisprudência do TJ, a mais recente de 2016 (dou referências na apresentação), para se perceber como João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, com o devido respeito, estão, nesta matéria, muito longe do alvo.

IV. Há ainda no artigo 6º/3 um ponto que merece atenção. Essa norma reproduz, no essencial, a do artigo 5º/6/b) do CCP actual. Percebe-se, pela inserção sistemática da norma, que ela se refere à matéria da formação dos contratos sobre o exercício de poderes públicos. Porém, em meu entender, isso deveria ser clarificado, como já foi observado no contexto da discussão pública. A redacção adequada seria “À formação dos contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos são aplicáveis as normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações”, ou redacção de sentido equivalente.

MAR