Destacando-se, desde 2008, como “boia de salvamento” do contrato administrativo, cujo “naufrágio” era anunciado como uma inevitabilidade, por força da “emersão” – imposta por fortes “correntes” europeias – da figura do contrato público, o artigo 1.º, n.º 6 do Código dos Contratos Públicos tem, grosso modo, cumprido pacificamente a sua “função” .

Dir-se-á que o reconhecimento da bondade desta solução legislativa atingiu o seu expoente máximo com o reconhecimento, no “novo” Código do Procedimento Administrativo, não só do contrato administrativo enquanto figura jurídica a preservar, como também pela consagração de uma regra geral – meramente remissiva – relativa à determinação de que negócios jurídicos não unilaterais merecem ser tidos como contratos administrativos. Em suma, estabeleceu o legislador no artigo 200.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo que “são contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial”.

Com efeito, não restam dúvidas de que o legislador, via Código do Procedimento Administrativo, veio reconhecer que os critérios de qualificação de determinado contrato como administrativo são os definidos no Código dos Contratos Públicos[1]. Pelo que, no ordenamento jurídico português, o artigo 1.º, n.º 6 do CCP adquire o valor de norma geral injuntiva na enumeração dos critérios de administratividade dos contratos, apenas suplantado pela vigência de norma especial avulsa.

Aqui chegados, importa lançar a discussão sobre a oportunidade da alteração do n.º 6 do artigo 1.º do CCP, através da inclusão da “ressalva” em destaque na seguinte transcrição:

“Para efeitos do presente Código e sem prejuízo do disposto em lei especial, reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de vontades (…)”

 Ora, duvidamos que a alteração do artigo 1.º, 6.º do CCP, no sentido de apenas valorar os critérios de administratividade dos contratos para efeitos de aplicação do Código dos Contratos Públicos, beneficie de particular sustentação. Caso o legislador opte – como atualmente consta do Anteprojeto – por determinar que os critérios de qualificação de um contrato como administrativo apenas devem ser valorados para efeitos de aplicação do Código, não estará a promover a incoerência normativa e a desconsiderar o “mandato” conferido pelo Código do Procedimento Administrativo ao Código dos Contratos Públicos? A desconsiderar o “mandato” conferido no artigo 200.º, n.º 2 do CPA, no sentido de que cabe ao Código dos Contratos Públicos determinar que contratos merecem, no nosso ordenamento jurídico, ser qualificados como contratos administrativos, independentemente de se verificar a aplicação do CCP?

Da nossa parte, não vislumbramos qualquer vantagem no acrescentar da expressão “para efeitos do presente Código” e, salvo melhor entendimento, tal intenção de aditamento deve ser revista, evitando dúvidas interpretativas sobre o valor jurídico dos critérios de administratividade elencados no n.º 6 do artigo 1.º do CCP[2].

[1] E não se diga que o vocábulo “classificados”, presente no número 2 do artigo 200.º do Código do Procedimento Administrativo, dever ser interpretado como mera referência aos contratos legalmente qualificados como administrativos na Parte III do Código dos Contratos Públicos. Tal corresponde apenas a um dos critérios de qualificação de um contrato como contrato administrativo [enunciado, entre outros, na alínea a) do n.º 6 do artigo 1.º do CCP], e não à totalidade dos critérios de administratividade elencados no n.º 6 do artigo 1.º. Pelo que, naturalmente, a referência a “classificados”, constante do n.º 2 do artigo 200.º do Código do Procedimento Administrativo, constitui uma remissão para todo e qualquer critério de qualificação de um contrato como contrato administrativo, definido no Código dos Contratos Públicos.

[2] No limite, e ainda que não concordemos com esta linha argumentativa, poderá vir a ser defensável, em tese, que a introdução da expressão “para efeitos do presente Código” no n.º 6 do artigo 1.º do CCP provoca a derrogação tácita do artigo 200.º, n.º 2 do CPA, na medida em que o legislador revelou a intenção de que os critérios de administratividade aí elencados apenas devem ser considerados para efeitos de aplicação do Código dos Contratos Públicos, perdendo o seu valor de norma geral injuntiva na enumeração dos critérios de administratividade dos contratos.