E tomada a opção política na corrente versão do ante-projecto do Código dos Contratos Públicos (Art 321-A) em permitir as entidades contratantes pagar directamente a sub-contratantes valores relacionados com prestações por eles feitas no âmbito de um contrato publico. Esta opção e questionável por um numero de razoes.
Em primeiro lugar, pagar directamente ao sub-contrante quebra o(s) nexo(s) contratual(is) com o contratante principal. Isto tem implicações serias no que toca a responsabilidade pelas prestações e quem sera responsável por resolver eventuais falhas na obra, bem ou serviço em causa. Particularmente em obras publicas e fácil antever situações de conflito em que seja difícil determinar a responsabilidade por falhas na obra devido a este quebrar da relação contratual: dono da obra > empreiteiro > sub-empreiteiro. No modelo actual, o empreiteiro tem o incentivo em garantir que o sub-empreiteiro executa a obra com o nível exigido podendo reter o pagamento ate isso acontecer. Num modelo em que o pagamento e feito directamente, o empreiteiro deixa de ter esse incentivo e passa a ter outro – pior – que e o de tentar responsabilizar o sub-empreiteiro por toda e qualquer falha que a obra possa ter.
Em segundo lugar, e ligado com o primeiro, recorde-se que os sub-contratantes não prestam caução, pelo que se houver algum problema com a sua prestação, quebrado o nexo também causal, cabe a entidade contratante recorrer aos tribunais contra o sub-empreiteiro e não o empreiteiro geral.
Em terceiro lugar, esta solução não resolve o problema de tesouraria dos operadores económicos envolvidos. Ele existe e e verdadeiro, contribuindo para a fraqueza do tecido empresarial português e sim, e especialmente sentido por sub-contratantes. Mas no que toca aos operadores económicos que trabalham em contratos públicos os problemas de tesouraria tem uma origem: a própria entidade contratante. Quando comparados com outros Estados Membros da União, o Estado Português e um mau cliente: paga tradicionalmente ‘tarde e a mas horas.’ Esta sim e a causa do problema de tesouraria de contratantes e sub-contratantes que trabalham com o Estado como cliente.
E pena então que o Governo tenha decidido por uma não-solução para o problema ao enveredar pelos pagamentos directos a sub-contratantes. Seria preferível fazer como fez o Governo do Reino Unido e impor um pagamento no prazo máximo de 30 dias para facturas que não estejam a ser contestadas e impor no contraente principal idêntica obrigação de pagar aos seus fornecedores também no prazo de 30 dias. Foi esta a opção do legislador britânico no artigo 113 da Public Contracts Regulations 2015 e bastante celebrada pela Federation of Small Businesses. Estou ciente das implicações orçamentais que tal opção acarreta, mas não ha outra forma de resolver os problemas de tesouraria de contratantes e sub-contratantes que fornecem o Estado.
Em quarto lugar, o pagamento ao sub-contratante e devido caso (i) o cocontrante nao se oponha ou (ii) não pague dentro de 30 dias. Ora, parece então que mesmo que o cocontrante tenha fundadas razoes para que o pagamento não se realize a entidade contratante esta obrigada a efectuar o pagamento – nada no artigo indica qualquer poder discricionário de evitar o pagamento uma vez iniciado o processo e passado os 30 dias sem liquidação por parte do cocontratante. Denoto, uma vez mais, que a obrigação de liquidação em 30 dias imposta ao cocontratante privado não corresponde uma idêntica obrigação de liquidação por parte do contraente publico.
Em quinto lugar e possível descortinar situações em que o cocontratante esteja em divida para o sub-contratante sem que seja realmente culpa sua. Imagine-se, por exemplo, que a entidade contratante decidiu reter a caução ou se atrasou em um qualquer pagamento ao cocontratante. Naturalmente que em algumas situações ele não poderá pagar o que e devido ao sub-contratante por dificuldades de tesouraria cuja responsabilidade não são exactamente suas.
Em sexto lugar, e possível que esta disposição tenha o efeito oposto ao pretendido. No que toca a incentivos, não custa imaginar que os cocontratantes comecem a deixar de pagar a sub- contratantes, indicando-lhes ao invés que pecam o dinheiro directamente ao contraente publico. Pensando bem, ate poderá ser uma boa forma de pressão do cocontratante privado junto do contraente publico: ou o pagamento e feito a tempo e horas ou choverão pedidos de pagamentos directos por parte dos sub-contratantes o que acarreta custos de transacção acrescidos para a entidade contratante.
Caríssimo, eu acho positiva a medida do 321º-A; ela já esteve prevista no direito português (cf. art. 267º do DL 59/99). No próprio direito privado há, hoje em dia, vias de superação doutrinal e jurisprudencial de um entendimento estrito da relatividade dos contratos. Em todo o caso, o artigo 321º do CCP (não mexido pelo anteprojecto) deixa clara a manutenção da responsabilidade integral do empreiteiro em casos de subcontratação.
Inteiramente de acordo quanto ao carácter estratégico do cumprimento dos prazos de pagamento, em todo o caso, já hoje exigentes, face ao regime do 299º e 299º-A.
Pessoalmente acho interessante a tua sugestão de incluir uma previsão que obrigasse o co-contratante a reflectir nos subcontratos os prazos de pagamento de que ele próprio beneficia: isso podia ajudar a impedir, da sua parte, benefícios injustificados. O subcontratado já goza de alguma protecção pelas regras gerais (artigos 4º e 8º do DL 62/2013), mas dado que essas regras e as dos artigos 299º e 299º-A não são inteiramente coincidentes, haveria espaço para melhorar a posição dos subcontratados. De todo o modo acho que é uma questão a ver com cuidado: a relação entre empreiteiro e subempreiteiro, com todas as suas especificidades, é entre dois privados, profissionais; a autonomia privada tem aqui um papel relevante, parece-me.
Abraço
MAR
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