Ha coisa de uma semana o estimado Prof. Valadares Tavares publicou uma entrada sobre o equilíbrio entre concorrência e transparência na contratação publica. Vale a pena ler todo o artigo com atenção mas vou focar-me nos pontos relacionados com o meu post anterior sobre estes temas.

Se posso resumir a critica do Prof. Valadares Tavares a minha posição, estas são as suas observações principais.

Eis porque não concordo com a crítica geral do Pedro Telles sobre transparência pois o nosso sistema de divulgação de informação sobre contratação pública é bem melhor do que o britânico e um dos melhores em toda a UE já que disponibiliza imensa informação, por entidade adjudicante, a qual é de difícil acesso na generalidade dos outros Estados.

E verdade que em termos de captura de dados o nosso sistema de contratação publica e melhor do que o britânico e quando analisado apenas do prisma da transparência este principio se encontra melhor prosseguido do que no Reino Unido (por enquanto, visto que o Contracts Finder melhorou desde 2015 e ha um compromisso politico de introduzir o Open Contracting Data Standard). Estonia e Eslovaquia tem hoje sistemas de dados de contratação publica a par do nosso mas infelizmente nenhum Estado-Membro tem um portal tao avançado como o do Paraguai.

Mas o problema e que hoje em dia ja não podemos deixar de olhar para as decisões tomadas em sede legislativa apenas através do objectivo da transparência mas também da concorrência. Afinal de contas, o Art. 18 da Directiva 2014/24/EU estabelece o principio da concorrência a par do principio da transparência sem dar primazia a qualquer um deles. Ou seja, qualquer decisão legislativa implica uma ponderação entre ambos de forma a encontrar uma posição de equilíbrio. Sendo a opção legislativa nacional anterior a consagração do principio da concorrência na Directiva sera expectável que a mesma seja revista a luz desta reconfiguração dos princípios aplicáveis a contratação publica.

Mais acresce que sendo raro ver-me na posição de defensor da concorrência numa situação de conflito com transparência (regra geral estou do outro lado), tal se deve ao facto de estar consciente do trade off que implica um sobre o outro. Esta mais do que provado que fornecer ao mercado informação em demasia facilita praticas de colusão, dai que ha muito que tenha significativas reservas quanto a publicação de planos anuais ou quanto a utilização de lotes por exemplo.

A divulgação de informação a posteriori parece-me menos grave do que os exemplos anteriores, ainda assim permite que nos mercados onde ja existe colusão de operadores económicos este verifiquem se o seu acordo esta a ser cumprido ou não. Não sendo um fundamentalista da concorrência e importante estar ciente do potencial impacto do excesso de divulgação de informação (numa area diferente, veja-se o comentário de Aurea Sunol sobre os benefícios dos segredos empresariais). Por outras palavras, em mercados propensos a colusão, quanto mais informação se publica maior e a estabilidade dos cartéis formados. E acho difícil que alguém possa dizer que não existem cartéis em pelo menos alguns sectores da contratação publica em Portugal – seria porventura o unico pais do mundo onde isso ocorreria!

Por outro lado, como medidas positivas para a concorrência sempre fui da opinião que divulgar preços desmascara situações onde existe uma captura de renda por parte de operadores económicos, permitindo a novos operadores entrar nesse mercado ou as entidades contratantes re-calibrar as suas expectativas de preços. Com o tempo aparece um novo equilíbrio no mercado e isto levar-nos-ia a uma situação de preço único, ou pelo menos uma maior convergência no preço. Não obstante, o cenário inverso também e possível. Isto e, facilita-se a estabilidade do mercado a médio prazo e em consequência a possibilidade de surgirem cartéis onde eles não existiam antes.

O que e importante ter em consideração que aumentar a transparência não gera um proverbial almoço gratis e podemos estar a pagar um preço ao nível da concorrência. E e diferente dizer que não se conhecem os efeitos na concorrência gerados pelo aumento da transparência ao invés de dizer que tais efeitos não existem. A falta de prova não e a prova da falta como dizemos por aqui.

Ora, uma das formas de averiguar qual o efeito na concorrência do aumento da transparência e olhar para o numero de candidatos/propostas por procedimento. Olhando para os dados do Relatorio de 2015 do BASE  (pag 61-62) parece que o numero de propostas tem descido entre 2012 e 2015. Pelo menos para bens e serviços a descida e significativa tanto em procedimentos concursais (7,4 para 4,4) como no geral (4,1 para 2,3) pelo que seguramente não se pode arguir que a contratação publica se esteja a tornar mais competitiva nesta métrica. Pode, no entanto, esta(s) descida(s) serem explicadas por múltiplas razoes como um enfraquecimento do tecido empresarial português com a crise ou um crescimento do uso de procedimentos não-transparentes como o ajuste directo por virtude (ou não) de uma descida no valor médio dos contratos. O que me leva ao ponto seguinte da critica:

Em suma, só desconhecendo a realidade dos mercados e da jurisprudência referida é que se pode imaginar que a concorrência é exclusivo do “altar” do concurso público e que tudo o mais não pode contribuir para a desejável concorrência.

E certo que qualquer procedimento pode ser desenhado para potenciar a concorrência – e não foi isso seguramente que eu quis colocar em causa com o meu post original. O meu comentário tem mais a ver com a forma como e mais fácil falsear a concorrência em determinados procedimentos em comparação com outros. Como esta hoje desenhado o concurso publico esse e sem duvida o procedimento mais difícil de manipular a favor de determinado operador económico favorecido pela entidade contratante. Em primeiro lugar porque qualquer operador pode tomar a iniciativa de participar. Em segundo, porque as causas de exclusão estão bem delineadas (e limitadas) pelo que qualquer operador económico que cumpra com elas tem o direito a apresentar proposta. Não depende em momento nenhum de uma autorização previa ou um convite por parte da entidade adjudicante. E e precisamente este vector de iniciativa que o torna no procedimento mais pro-concorrencia de todos os existentes, especialmente tendo em conta o cuidado que o legislador teve em 2008 em reduzir os custos de transação com o procedimento, por exemplo adoptando a declaração previa e dispensando os participantes de apresentar toda a documentação no inicio do procedimento.

Assim chegamos ao cerne da ultima critica do Prof. Valadares Tavares:

Ora é evidente que as regras do Código são importantes e eis porque me parece positiva a introdução do procedimento por consulta prévia evitando a regra do CCP (Artigo 114º-1), a qual parece sugerir que, em princípio, se deve convidar um operador económico, mas se a entidade adjudicante o entender (e justificar?) poderá convidar mais do que um, muito agradecendo que me esclarecessem qual o outro Estado que adotou regra semelhante, pois não é o caso das legislações que conheço de sete outros Estados da UE.

Se a leio bem, parece ser uma defesa do procedimento de consulta previa, a qual não refuta qualquer das criticas anteriormente feitas por mim a este procedimento. Acresce que consultando novamente os dados do BASE (p.63) e possível verificar que na amostra de contratos utilizada para calculo do numero de propostas, os ajustes directos tenham uma media de 1,7 propostas, um numero bem abaixo do registado para os procedimentos concursais. Mais, no período de 2012 a 2015 no que toca a bens e serviços os ajustes directos passaram de uma media de 3,0 propostas para 1,6 tendo-se mantido estáveis para nas obras publicas. Ou seja, numa métrica crua como o numero de propostas ainda que todos os ajustes directos fossem transformados em consultas previas, voltaríamos apenas ao estado de concorrência de 2012! Isto antes de questionar (como eu questiono) se essa seria uma verdadeira concorrência ou uma concorrência de faz-de-conta. Isto porque não sabemos se as propostas adicionais são verdadeiras propostas ou (como eu penso que venha a acontecer) simples cavalos mortos. Num pais como Portugal onde se litiga por valores muito baixos, qual e o incentivo da entidade contratante em ir procurar três verdadeiras propostas correndo o risco de ver o procedimento encalhar num qualquer Tribunal Administrativo e Fiscal quando se obter apenas uma e duas outras de faz-de-conta lhe permite alcançar o mesmo objectivo que conseguia ate então com o ajuste directo?

No que toca a países que voluntariamente reduziram os limiares para a utilização de procedimentos transparentes, isto e em que a iniciativa de participação pertence ao operador económico e não depende de convite, conheço os seguintes:

Para mim o nome do procedimento e irrelevante. Seja concurso publico, concurso aberto ou outro qualquer o que considero fundamental  e que a iniciativa de participação pertença ao operador económico e não a entidade contratante e que a mesma so possa ser recusada com base em critérios objectivos e proporcionais. Sem isso não ha verdadeira concorrência e esta facilitada a corrupção.