Foi publicado, em 1.º suplemento ao Diário da República de 13 de Março, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, da mesma data, que “estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19”.
De entre um amplo conjunto de matérias tratadas no diploma, merecem a especial atenção das entidades adjudicantes, e dos demais operadores do sector, diversas disposições em matéria de contratação pública e autorização de despesa. Deixa-se aqui uma primeira leitura dessas medidas, necessariamente preliminar, e predominantemente descritiva. Conhecer e aplicar bem as ferramentas jurídicas disponíveis é essencial para a pronta e competente actuação das diversas entidades adjudicantes na satisfação das suas missões de interesse público; o objectivo deste texto é o de dar um contributo, ainda que muito modesto, para esse desiderato. O sucesso dessa actuação das entidades adjudicantes é fundamental para todos nós.
Âmbito do regime
O âmbito das medidas (todas, mas falamos agora das de contratação pública) é recortado pelo artigo 1.º do diploma (doravante também “DL 10-A/2020”). Há uma definição de âmbito delimitada de acordo com o facto a que se reage: são “medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2” (artigo 1.º, n.º 1). Dentro desse objecto, o n.º 2 particulariza que o diploma se aplica “à prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma”.
Esta última referência do n.º 2 do artigo 1.º significa, à primeira vista, que as medidas aprovadas não têm, do ponto de vista da sua duração, outro referencial que não seja o do período necessário para acorrer à situação-de-urgência que motiva o diploma. Não se vislumbra, de facto, um limite temporal certo, previamente definido, o que nesta altura parece plenamente compreensível, já que não se sabe como irá evoluir a pandemia a que se responde. Este não é um daqueles casos em que o regime de excepção está a responder a um certo evento ocorrido no passado: o regime responde a um evento que continua e continuará a verificar-se durante um período ainda indefinido, e por isso, a resposta tem de ser dinâmica e temporalmente aberta.
O âmbito do regime é, assim, definido pelas fronteiras do que é necessário; e, note-se, necessário para a “prevenção, contenção, mitigação e tratamento” da epidemia, e ainda para a “reposição da normalidade em sequência da mesma”, havendo que considerar, essencialmente, a incidência do princípio da proporcionalidade, que limita as medidas ao “estritamente necessário”. A decisão de escolha do procedimento ao abrigo deste regime deverá, assim, conter, na fundamentação, uma menção à finalidade prosseguida pelo contrato, que terá de estar relacionado com as tarefas e actividades decorrentes do âmbito recortado pelo artigo 1.º, n.ºs 2 e 3, justificando, assim, a aplicação deste regime excepcional.
Aspecto relacionado com o âmbito (neste caso, temporal) é ainda o da entrada em vigor e produção de efeitos das medidas legislativas. De acordo com o artigo 36.º, o diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Dado que ele ainda foi publicado em suplemento ao DR de dia 13 de Março, o diploma entrou em vigor às 00h00 de dia 14. No entanto, entrada em vigor e produção de efeitos não se confundem, e este diploma “produz efeitos no dia da sua aprovação” (artigo 37.º, com excepções que aqui não relevam). Essa aprovação ainda aconteceu no dia 12 de Março. Isto significa que as decisões tomadas nos dias 12 e 13 de Março, e que se conformem com o regime aprovado, estão (também) salvaguardadas.
Ainda em termos de âmbito, dispõe o n.º 3 do artigo 1.º que o regime dos capítulos II e III do diploma (artigos 2.º a 8.º, que abrangem o regime excepcional de contratação pública que aqui versamos) se aplica “às entidades do setor público empresarial e do setor público administrativo, bem como, com as necessárias adaptações, às autarquias locais”. Portanto, sector público administrativo (não apenas estadual) e sector público empresarial (não apenas estadual), e também autarquias locais, beneficiam do regime aprovado. A este propósito, porventura poder-se-ia ter previsto, de forma mais abrangente, que o regime se aplica a qualquer entidade adjudicante cujas atribuições e competências, ou objecto social/estatutário, inclua a prossecução de missões relacionadas com o âmbito objectivo de aplicação do diploma, e no âmbito dessa prossecução; de qualquer maneira, o efeito parece ser essencialmente o mesmo, dada a amplitude da referência ao “sector público” (administrativo e empresarial). Um argumento complementar no mesmo sentido é dado pela referência do artigo 2.º, n.º 1 (“independentemente da natureza da entidade adjudicante”).
Utilização do ajuste directo
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, “para efeitos de escolha do procedimento de ajuste direto para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, independentemente da natureza da entidade adjudicante, aplica-se o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa”.
A metodologia corresponde à utilizada, em geral, nos regimes excepcionais de contratação pública deste tipo, remetendo para a disposição que prevê, no direito português, um fundamento material de ajuste directo, independente do valor do contrato, baseado em razões de urgência imperiosa: o artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do CCP. O legislador reforça a limitação ao “estritamente necessário”, com sentido já conhecido (impõe, designadamente, limitações à duração dos contratos a celebrar).
O regime excepcional em análise não se limita a nomear o procedimento, contemplando ainda uma série de modulações ao regime do ajuste directo assim escolhido, assentes numa lógica de aceleração procedimental. Assim:
– sem prejuízo do n.º 1 do artigo 2.º (ou seja, da referência à utilização do ajuste directo por urgência, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do CCP), a lei procede a um alargamento do campo do ajuste directo simplificado para contratos de locação e aquisição de bens e aquisição de serviços (mas não obras) de preço contratual não superior a 20.000€ (valores sem IVA, recorde-se: artigo 473.º do CCP). É o que resulta do artigo 2.º, n.º 2, do DL 10-A/2020, segundo o qual, para esses contratos, se remete para o artigo 128.º, n.ºs 1 e 3, do CCP.
– aos procedimentos abrangidos pelo decreto-lei não se aplicam as limitações constantes dos n.ºs 2 a 5 do artigo 113.º do CCP (ou seja, as limitações às aquisições repetidas e ao convite a entidades que tenham fornecido bens, serviços ou obras gratuitamente à entidade adjudicante) – artigo 2.º, n.º 3, do DL 10-A/2020. No caso do n.º 2 do artigo 113.º do CCP, não se trata propriamente de uma alteração, mas de uma recordatória, pois o impedimento aí previsto, mesmo textualmente, só se aplica aos ajustes directos em razão do valor; já em relação ao n.º 5, poderá discutir-se se a norma do DL 10-A/2020 é inovadora, pois o preceito não faz (textualmente) a mesma limitação do n.º 2.
– os procedimentos abrangidos pelo diploma também estão isentos do disposto no artigo 27.º-A do CCP, ou seja, da norma que faz preferir, se possível, a consulta prévia ao ajuste directo – artigo 2.º, n.º 3, do DL 10-A/2020; dado que no ajuste directo se convida apenas um operador económico, é ainda uma modulação tendente à maior celeridade.
– prevê-se a comunicação das adjudicações feitas ao abrigo do regime excepcional aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela respetiva área sectorial (apenas para o caso das entidades estaduais, depreende-se; esta será uma das adaptações relevantes para a administração autárquica), e a publicitação no portal dos contratos públicos (Base) – artigo 2.º, n.º 4, do DL 10-A/2020.
– não obstante a norma anterior, os contratos celebrados ao abrigo do presente regime excepcional na sequência de ajuste direto, independentemente da sua redução ou não a escrito, podem produzir todos os seus efeitos logo após a adjudicação, sem prejuízo da respetiva publicitação no portal dos contratos públicos – artigo 2.º, n.º 5, do DL 10-A/2020; isto significa o afastamento da norma do artigo 127.º, n.º 3, o que é uma importantíssima diferença face ao regime geral do ajuste directo no CCP. Os contratos podem, assim, produzir os seus efeitos independentemente da publicação no portal Base.
– outra importantíssima diferença reside na mais ampla possibilidade de adiantamentos por conta do preço contratual: “sempre que estiver em causa a garantia da disponibilização, por parte do operador económico, dos bens e serviços a que se refere o presente artigo, pode a entidade adjudicante efetuar adiantamentos do preço com dispensa dos pressupostos previstos no artigo 292.º do CCP, e os atos e contratos decorrentes podem produzir imediatamente todos os seus efeitos” – artigo 2.º, n.º 6, do DL 10-A/2020. A mobilização desta norma parece, assim, depender da fundamentação do pressuposto de que “esteja em causa a garantia da disponibilização dos bens”, o que pode acontecer, designadamente, se o fornecedor invocar que sem pagamento “à cabeça”, ele não conseguirá obter os bens junto dos seus próprios fornecedores (tudo isto se passa, naturalmente, sem prejuízo da faculdade do Estado de recorrer à requisição civil, verificados os respectivos pressupostos).
O regime excepcional não se pronuncia expressamente sobre a possibilidade de atribuição de eficácia retroactiva aos contratos que vierem a ser celebrados; em todo o caso, e sabendo-se que qualquer posição definitiva dependerá dos dados do caso, o circunstancialismo actual aponta, prima facie, para o possível preenchimento dos pressupostos do artigo 287.º, n.º 2, do CCP.
Como se verifica, a metodologia utilizada neste regime excepcional consiste essencialmente na aplicação do regime geral do ajuste directo, ainda que com as modulações apontadas. Apenas nos casos, referidos, de aquisições e locações de bens e serviços até 20.000€, se vai mais longe e prevê a contratação sem formalidades, ou seja, o ajuste directo simplificado. O legislador nacional poderia seguir outro caminho, para o que dispõe de liberdade abaixo dos limiares comunitários, mas também, no essencial, acima dos mesmos, pois o direito europeu prevê muito poucas exigências, em termos de tramitação procedimental, aplicáveis ao procedimento de negociação sem anúncio (a que corresponde, essencialmente, no direito nacional, o ajuste directo). Ter-se-á procurado, desta forma, um equilíbrio entre a actuação urgente e a salvaguarda das preocupações associadas, em geral, à previsão de um modelo de procedimentos pré-contratuais (designadamente, a rastreabilidade da informação, dada pela formalização do convite, proposta, adjudicação e contrato escrito, nos casos em que não seja dispensado). Se, porém, em algum caso concreto, for exigível uma actuação ainda mais célere, que fosse entravada por qualquer aspecto da aplicação do regime do ajuste directo, deve ter-se presente a possibilidade, que sempre temos defendido, de recorrer ao princípio geral do estado de necessidade, verificados os respectivos pressupostos e cumpridos os respectivos limites (cf. artigo 3.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo), afastando assim as regras que estivessem a obstaculizar a actuação urgente. A vida e a integridade física e psíquica das pessoas são os bens mais importantes para o direito, e quando precisam de ser protegidos com urgência, isso deve sempre acontecer: o direito, longe de ser um empecilho, consagra todas as ferramentas necessárias para esse efeito.
Modulação de outras formalidades
O regime excepcional contempla ainda a eliminação ou modulação/limitação de uma série de outras formalidades. Assim:
– fica dispensada de autorização prévia a excepção para a aquisição centralizada de bens ou serviços abrangidos por um acordo-quadro para as entidades abrangidas pelo Sistema Nacional de Compras Públicas – artigo 2.º, n.º 7, do DL 10-A/2020). A norma é relevante para as chamadas entidades adjudicantes “vinculadas” ao SNCP (cf. o regime do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, na parte ainda em vigor). Estas entidades ficam assim dispensadas de pedir a autorização para adquirir “fora” do acordo quadro, que em geral é exigida pelo regime do SNCP (cf. artigo 5.º do DL 37/2007). Esta possibilidade parece ser relevante para aqueles casos em que os bens disponíveis no acordo quadro não têm características ou não são fornecidos em condições (por exemplo, de celeridade) suficientes para acorrer à necessidade da entidade adjudicante.
– aos contratos adjudicados ao abrigo do regime, é aplicável o n.º 5 do artigo 45.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas – artigo 2.º, n.º 8, do DL 10-A/2020. Isto significa, em termos práticos, reforçar que aos contratos de valor superior a 950.000€ sujeitos a visto prévio, mas que sejam cobertos por situação de urgência imperiosa, não é aplicável o regime de bloqueio de efeitos do n.º 4 do mesmo artigo 45.º da LOPTC. Por outras palavras, a dispensa agora prevista não é uma dispensa do visto, pois o regime excepcional não mexe nos pressupostos da sujeição a visto; a dispensa atinge apenas o efeito de bloqueio que resulta, para a generalidade dos contratos superiores a 950.000€, do n.º 4 do artigo 45.º. Isto pode significar, como a lei prevê, que o contrato poderá produzir todos os seus efeitos antes da emissão da decisão sobre o visto, o que aliás será provável, em contratos de execução imediata e urgente.
– o artigo 3.º prevê um regime excepcional de autorização de despesas da tutela financeira e sectorial, com importantíssimos (e, dir-se-ia mesmo, arrojados) mecanismos de flexibilização dessa autorização, incluindo deferimento tácito dos pedidos de autorização passadas 24 horas sem resposta (artigo 3.º, n.º 1, alínea a)), ou três dias sem resposta, no caso de despesas plurianuais, para certos bens elegíveis a definir por portaria (artigo 3.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2), e pedidos de descativação (artigo 3.º, n.º 1, alínea e), embora aqui se preveja um pressuposto de “casos devidamente justificados”, que pode suscitar dúvidas na sua aplicação a deferimentos tácitos). As alterações orçamentais, porém, parecem exigir sempre decisão expressa (artigo 3.º, n.º 1, alínea d)).
– o artigo 4.º prevê ainda que “[a] decisão de contratar a aquisição de serviços cujo objeto seja a realização de estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria, bem como quaisquer trabalhos especializados, não carecem das autorizações administrativas previstas na lei, sendo da competência do membro do Governo responsável pela área setorial.” Isto significa uma dispensa de exigências de autorização externas à tutela sectorial previstas em leis avulsas (há várias, p.e., nos artigos 60.º e ss. da Lei do Orçamento de Estado para 2019, ou no Decreto-Lei n.º 107/2012, de 18 de Maio).
No capítulo III do DL 10-A/2020, surgem algumas disposições específicas em sede de juntas médicas, gestão de recursos humanos e aquisição de serviços. Com relevância em matéria de contratação pública, surgem as disposições de competência autorizativa, e comunicação dos contratos após a sua celebração, constantes do artigo 7.º, aplicáveis aos “órgãos, organismos, serviços e demais entidades, incluindo o setor público empresarial”, do Ministério da Saúde, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), do Hospital das Forças Armadas (HFAR), do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF) e do Instituto de Ação Social das Forças Armadas, I. P. (IASFA, I. P.).
Referências adicionais
Deixa-se ainda algumas referências adicionais sobre o tema, que podem contribuir para o imperativo de aplicação escorreita, célere e valorativamente adequada destes regimes:
Celeste Fonseca, Isabel, Processo temporalmente justo e urgência. Contributo para a autonomização da categoria da tutela jurisdicional de urgência na justiça administrativa, Coimbra: Coimbra Editora, 2009.
Caldeira, Marco, “Os regimes excepcionais da contratação pública relacionada com os danos causados pelos incêndios florestais: em especial, o decreto-lei nº 70/2018, de 30 de Agosto”, Revista de Direito Administrativo, 4, 2019, pp. 76-78.
Fernández Sánchez, Pedro, “CCP e Constituição: problemas na aplicabilidade de procedimentos de contratação pública à luz da Constituição Portuguesa”, in Pedro Fernández Sánchez/Luís Alves, A Constituição e a Administração Pública: problemas de constitucionalidade das leis fundamentais do direito administrativo português, Lisboa: AAFDL, 2018, pp. 35-63.
Freitas do Amaral, Diogo/Garcia, Maria da Glória F. P. D., “O estado de necessidade e a urgência em direito administrativo”, Revista da Ordem dos Advogados, (II), 1999, pp. 447-518.
Raimundo, Miguel Assis, “Catástrofes naturais e contratação pública”, in Carla Amado Gomes (Coord.), Direito(s) das Catástrofes Naturais, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 209-268.
Raimundo, Miguel Assis, A formação dos contratos públicos. Uma concorrência ajustada ao interesse público, Lisboa: AAFDL, 2013, pp. 944 ss.
Sérvulo Correia, José Manuel, “Revisitando o estado de necessidade”, in Augusto de Athayde/João Caupers/Maria da Glória F. P. D. Garcia (Orgs.), Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, Coimbra: Almedina, 2010, pp. 719-746.
MAR
Excelente, como sempre, Miguel.
Não há dúvida de que estes regimes excepcionais seguem um padrão uniforme – mesmo se, em alguns casos, isso implica reiterar, por inércia, determinados aspectos legísticos menos felizes de diplomas similares anteriores (como me parece ser o caso da ressalva da não aplicabilidade dos limites à contratação reiterada previstos no artigo 113/2 do CCP, que me parece um preciosismo escusado).
Fico a pensar se, em vez de termos uma sucessão de diplomas avulsos aprovados “caso a caso”, não faria sentido ter um regime único de “contratação pública de emergência”, a que se recorreria nestas alturas, com controlo sobre a decisão de contratar mas sem precisar de um diploma autónomo e da atribuição de efeitos retroactivos. Embora, normalmente, “cada caso seja um caso” e reclame respostas casuísticas, a verdade é que, no que respeita à contratação pública, a resposta do legislador tem sido invariavelmente a mesma para todas as emergências, independentemente do que esteja em causa, pelo que talvez valesse a pena pensar nisto.
Diria mesmo mais: numa altura em que já se está a pensar em rever novamente o Código, talvez fizesse sentido incluir esse regime especial no próprio CCP (seriam duas ou três normas excepcionais), para evitar a proliferação de regimes dispersos.
Um abraço
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Sim, seria uma evolução natural e teria vantagens. Tudo o que possa ser antecipado na gestão de uma crise é bom, incluindo um regime legal diferenciado, que já seja mais ou menos conhecido, e para o qual se possa remeter, reservando a capacidade de decisão para as opções específicas e/ou para o que não se consegue antecipar (que, diz a experiência, é bastante). O direito da “emergency preparedness” tem-se orientado nesse sentido. Abraço
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O ambiente é inédito e hostil. Para grandes males grandes remédios, mas não vale tudo. Por isso, saudar o regime excecional agora publicado, e o contributo valiosíssimo que acaba de dar o insigne Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Miguel Assis Raimundo. Um apoio oportuno a todos aqueles que tem que aplicar as normas.
Parece-me pertinente a sugestão do Prof. Marco Caldeira no sentido de um regime direcionado para acudir a cenários do tipo que estamos a viver. Por exemplo, em matéria dos impedimentos (art.º 55.º do CCP) ponderar a inclusão de situações específicas. Repare-se que o n.º 3 do art.º 57.º da DIRETIVA 2014/24/UE, prevê, no que tange aos motivos de exclusão obrigatória, a possibilidade de derrogação por parte dos Estados-Membros, a título excecional, por razões imperiosas de interesse público, como a saúde pública.
Aquele exemplo clássico deixado pelos considerandos das Diretivas, a aquisição de uma vacina (que até podia ser agora a do coronavírus) a um operador económico exclusivo, (1) mesmo numa situação de impedimento do art.º 55.º, implicaria ter que fazer a compra.
Mais, o regime excecional agora publicado no Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março, convoca a aplicação do justo impedimento. Ora, um caso prático que se pode colocar, face às dificuldades (previsíveis) dos operadores económicos em cumprir obrigações em matéria de contribuições e impostos, é a inviabilidade da caducidade da adjudicação na ausência de apresentação dos respetivos documentos de habilitação, nos termos do art.º 81.º e art.º 86.º do CCP, conjugado com a Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro.
Também esta poderia ser uma situação a introduzir numa eventual alteração do CCP, nos moldes projetados pelo Prof. Marco Caldeira, que provoca a feliz ideia de um “regime único de contratação pública de emergência”.
Voltando ao ajuste direto (puro e duro) como o contido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, afastando o regime do art.º 27.º-A e do n.º 2 art.º 113.º do CCP, não é um cheque em branco para decisões inclinadas para sucessivas adjudicações ao mesmo operador económico. Se tal acontecer, a decisão de contratar deve justificar aquela escolha. (2)
Muitos bens e serviços podem ser fornecidos ou prestados por diversos operadores económicos (grande parte das entidades adjudicantes tem-nos identificados), não existirá demoras. Portanto, alternar, rodar a escolha do adjudicatário, não constitui nenhum obstáculo à eficácia e eficiência das medidas excecionais de contratação pública plasmadas no diploma em apreço. Os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, vertidos no art.º 1.º-A do CCP, não podem ser esquecidos.
Note-se que a questão não é impossibilitar o convite a um operador económico tapado pelos limites trienais do n.º 2 do art.º 113.º do CCP (cuja aplicação agora está excecionada), mas sim escolher outro se existirem condições para o efeito. Na lógica e com inspiração no regime Francês – no Article R2122-8, Code de la Commande Publique: “ L’acheteur veille à choisir une offre pertinente, à faire une bonne utilisation des deniers publics et à ne pas contracter systématiquement avec un même opérateur économique lorsqu’il existe une pluralité d’offres susceptibles de répondre au besoin.”. (3)
Isto é passível de aplicação, mesmo no pior dos cenários (em estado de necessidade) em que não existe tempo para formalidades.
A propósito deste último aspeto da tempestividade, concordo com o Prof. Miguel Assis Raimundo, no sentido de se justificar uma maior abrangência do ajuste direto simplificado (que se ficou por um valor inferior a 20.000 €). Parece curto, face ao agravamento da situação pandémica, que cresce diariamente. E, por isso, também as empreitadas deveriam ter sido contempladas neste regime simplificado de ajuste direto.
A abordagem e reflexão ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março, deixada pelo Prof. Miguel Assis Raimundo e Prof. Marco Caldeira constitui um relevante subsídio para afinar os meios nesta luta que se está a travar, que agora começou e não se sabe quando acabará. (4)
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(1) Cfr. Considerando (100) da DIRETIVA 2014/24/EU.
(2) No sentido da fundamentação das entidades convidadas – Cfr. Rui Medeiros, in: “ALGUNS DESAFIOS EM SEDE DE REFORMA LEGAL DO REGIME INSTRUMENTAL DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA PORTUGUÊS”, p. 19, in fine – texto incluído no livro que reúne as comunicações do XII Colóquio Luso-Espanhol de Professores de Direito Administrativo, realizado na Universidade Lusíada, em Lisboa, em 2016, disponível (em acesso livre) no endereço: http://repositorio.ulusiada.pt/handle/11067/4553
Clique para acessar o cejea_martins_direito_administrativo_transnacional.pdf
(3) Cfr. Article R2122-8, Code de la Commande Publique – https://www.legifrance.gouv.fr/affichCodeArticle.do?cidTexte=LEGITEXT000037701019&idArticle=LEGIARTI000037723832&dateTexte=&categorieLien=cid
Também em Itália, neste tipo de procedimentos adjudicatórios fechados, vigora o princípio da rotatividade na escolha dos operadores económicos, ex vi, art.º 36.º do Codice dei Contratti Pubblici – https://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:decreto.legislativo:2016-04-18;50
(4) Ainda, neste âmbito, recomenda-se uma leitura atenta da bibliografia chamada à colação pelo Prof. Miguel Assis Raimundo.
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Bom dia Exmos. Sennhores,
É possível incluir uma associação privada sem fins lucrativos nas entidades abrangidas pelo DL 10-A/2020?
Fiquei com dúvidas quando o artigo 2º nº1 do dipoma refere “independentemente da natureza da entidade adjudicante”.
Antecipadamente grato
Marques Pereira
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Meu Caro,
Suponho que essa questão agora terá ficado ultrapassada com a alteração do regime, que passou a remeter para o artigo 2.º do CCP: uma tal associação estará sujeita ao regime desde que estejam preenchidos os requisitos do n.º 2 do artigo 2.º do CCP, ou seja, se for um “organismo de direito público”.
Mas, de facto, a redacção inicial suscitava (escusadamente, aliás…) essa dúvida. Peço desculpa por só agora ter visto a questão.
Cumprimentos amigos
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